sexta-feira, 3 de agosto de 2012

(Re) Aprendendo a escrever no mundo da ciência

Trabalhar em pesquisa científica exige aprendizado constante. Todos que se embrenham nesse campo minado e, principalmente os pós-graduandos como eu, conhecem essa máxima. Mas grande parte do tempo de um pesquisador é utilizada para a escrita. São projetos, relatórios, pareceres, provas e artigos. Os sofridos artigos!


Aprendemos a escrever na infância. Começamos pelo próprio nome. Em seguida vêm as diversas palavras da vasta língua portuguesa e, de repente, já estamos construindo orações com seus pronomes, sujeitos, verbos, conjunções e etc. A partir de então, escrevemos redações, poesias, bilhetinhos escondidos na aula, cartinhas de amor. Depois de tanto tempo escrevendo e estudando, nada mais comum que se esperar que saibamos nos comunicar através da escrita. Seja ela científica ou não, certo?

Bem, não exatamente. A escrita científica tem suas regras próprias e muitas delas são completas novidades a quem ingressa no mundo acadêmico. Os formatos, padrões, tempos verbais e demais regras de cada documento são a primeira barreira, mas em geral a grande o grande obstáculo para a maioria é a língua. A língua predominante na maioria das áreas da ciência não é a nossa, mas sim o inglês. E para transpor esta barreira vão sim, bons anos de estudo paralelos à educação formal. Pode parecer sofrido, mas como é inevitável, nada mais resta senão nos rendermos aos estudos e “enrolar a língua”.

Então um dia você vai estar lá, com o seu diploma de inglês na mão, assistindo palestras em inglês e “super enrolando a língua” com os gringos no intervalo. É tudo como mágica! Agora você já pode se sentar na frente do computador com toda a tranqüilidade e finalmente despachar seu artigo pra Science! Aí vem a vida e te dá mais um não. Mesmo falando inglês, você percebe que as coisas não andam. Não há erros gramaticais no seu artigo, mas o revisor diz que tem que melhorar o inglês (Esse cara tá doido?).

Pois bem. Esta semana, descobri uma informação que me fez tirar mais uma das camadas que cobrem o mistério do mundo científico. Foi lendo a primeira página de um livro sobre escrita científica. Logo no primeiro parágrafo, o autor se remete ao antropólogo Robert Kaplan, que, entre outras coisas, identificou três estilos de pensamento nas suas sociedades de estudo – todos eles completamente ligados à cultura. Vou aqui transpor este trecho com as mesmas palavras do autor:

- o pensamento inglês é retilíneo ou direto; adota a idéia central e avança, aglutinando as idéias secundárias ao redor da idéia principal.
- o pensamento romântico, pertencente às línguas latinas (onde se inclui o português), é indireto; a idéia principal avança por meio de digressões ou explicações secundárias;
- o pensamento árabe caminha em espiral, isto é, as idéias secundárias avançam em círculos cada vez menores até chegar à idéia central.

Não sei como foi pra vocês ler este trecho, mas pra mim deu um “plim”. Relembrei automaticamente de trechos da minha fala (e escrita) e da fala de diversos amigos e parentes. De repente, retomando tudo isso, tudo fez sentido!

Não sei quase nada da cultura árabe, mas pra mim é claro que o pensamento romântico de nós latinos é realmente parte do nosso dia-a-dia. Faz parte da nossa cultura a mania de nos explicarmos e de compartilharmos nossos gostos e opiniões. E isso é bom! Faz de nós mais próximos, mas abertos e talvez até mais sensíveis, mas simplesmente não faz de nós escritores científicos natos.

Também é óbvio que, uma vez que a língua inglesa é a língua científica oficial, o pensamento inglês fez-se oficial. Alias, a própria escolha do inglês faz muito sentido. A ciência necessita inegavelmente de métodos definidos, lógica e clareza pra garantir ao máximo a sua irrefutabilidade, portanto nada melhor do que comunicá-la de forma direta!

Portanto, eis aqui mais uma aprendizagem a ser desenvolvida para o mundo da ciência. É hora de aprender a escrever (e a me comunicar) segundo um pensamento direto.

Pra quem quiser encarar o aprendizado junto comigo, eu recomendo o livro “A redação pelo parágrafo” (sim, é em português!) do Luiz Carlos Figueiredo no qual eu fiz essa nova descoberta. Estou lendo por indicação da Talis e, realmente, está tudo se transformando.

Beijocas.



3 comentários:

  1. Oi Fernanda! Concordo com essa idéia de que a forma de escrever e a própria estrutura da língua têm a ver com a cultura do povo e seu jeito de ser. Estudando outras línguas e convivendo com outras culturas isso fica bem claro. Por sorte, o inglês como língua franca do nosso tempo acabou caindo como uma luva para a redação científica, por ser extremamente sintético. Para complicar ainda mais, a própria redação científica muda com o tempo, assim como qualquer outro estilo literário. A forma de escrever artigos nos anos 1980 era bem diferente da forma que usamos agora; vale a pena fazer umas comparações de estilo na literatura, por curiosidade e para ajudar a construir o seu próprio estilo pessoal. Um abraço!

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    1. Oi Marco, não tinha pensado mais a fundo sobre as mudanças no estilo da literatura científica no tempo. É uma boa dica! Vou me atentar a isto também. Abraços!

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