Aprendemos a escrever na infância. Começamos pelo próprio
nome. Em seguida vêm as diversas palavras da vasta língua portuguesa e, de
repente, já estamos construindo orações com seus pronomes, sujeitos, verbos,
conjunções e etc. A partir de então, escrevemos redações, poesias, bilhetinhos
escondidos na aula, cartinhas de amor. Depois de tanto tempo escrevendo e
estudando, nada mais comum que se esperar que saibamos nos comunicar através da
escrita. Seja ela científica ou não, certo?
Bem, não exatamente. A escrita científica tem suas regras
próprias e muitas delas são completas novidades a quem ingressa no mundo
acadêmico. Os formatos, padrões, tempos verbais e demais regras de cada
documento são a primeira barreira, mas em geral a grande o grande obstáculo
para a maioria é a língua. A língua predominante na maioria das áreas da
ciência não é a nossa, mas sim o inglês. E para transpor esta barreira vão sim,
bons anos de estudo paralelos à educação formal. Pode parecer sofrido, mas como
é inevitável, nada mais resta senão nos rendermos aos estudos e “enrolar a
língua”.
Então um dia você vai estar lá, com o seu diploma de inglês
na mão, assistindo palestras em inglês e “super enrolando a língua” com os
gringos no intervalo. É tudo como mágica! Agora você já pode se sentar na
frente do computador com toda a tranqüilidade e finalmente despachar seu artigo
pra Science! Aí vem a vida e te dá
mais um não. Mesmo falando inglês, você percebe que as coisas não andam. Não há
erros gramaticais no seu artigo, mas o revisor diz que tem que melhorar o
inglês (Esse cara tá doido?).
Pois bem. Esta semana, descobri uma informação que me fez
tirar mais uma das camadas que cobrem o mistério do mundo científico. Foi lendo
a primeira página de um livro sobre escrita científica. Logo no primeiro
parágrafo, o autor se remete ao antropólogo Robert Kaplan, que, entre outras
coisas, identificou três estilos de pensamento nas suas sociedades de estudo –
todos eles completamente ligados à cultura. Vou aqui transpor este trecho com
as mesmas palavras do autor:
- o pensamento inglês é retilíneo
ou direto; adota a idéia central e avança, aglutinando as idéias secundárias ao
redor da idéia principal.
- o pensamento romântico,
pertencente às línguas latinas (onde se inclui o português), é indireto; a
idéia principal avança por meio de digressões ou explicações secundárias;
- o pensamento árabe caminha em
espiral, isto é, as idéias secundárias avançam em círculos cada vez menores até
chegar à idéia central.
Não sei como foi pra vocês ler este trecho, mas pra mim deu
um “plim”. Relembrei automaticamente de trechos da minha fala (e escrita) e da
fala de diversos amigos e parentes. De repente, retomando tudo isso, tudo fez
sentido!
Não sei quase nada da cultura árabe, mas pra mim é claro que
o pensamento romântico de nós latinos é realmente parte do nosso dia-a-dia. Faz
parte da nossa cultura a mania de nos explicarmos e de compartilharmos nossos
gostos e opiniões. E isso é bom! Faz de nós mais próximos, mas abertos e talvez
até mais sensíveis, mas simplesmente não faz de nós escritores científicos
natos.
Também é óbvio que, uma vez que a língua inglesa é a língua
científica oficial, o pensamento inglês fez-se oficial. Alias, a própria escolha
do inglês faz muito sentido. A ciência necessita inegavelmente de métodos
definidos, lógica e clareza pra garantir ao máximo a sua irrefutabilidade,
portanto nada melhor do que comunicá-la de forma direta!
Pra quem quiser encarar o aprendizado junto comigo, eu
recomendo o livro “A redação pelo parágrafo” (sim, é em português!) do Luiz
Carlos Figueiredo no qual eu fiz essa nova descoberta. Estou lendo por
indicação da Talis e, realmente, está tudo se transformando.
Beijocas.